Satisfeito com o desempenho da Ferrari nos testes de pré-temporada, mas preocupado com a ressurreição da Brawn GP e o crescimento da Toyota, Felipe Massa seguiu nesta segunda-feira para Melbourne, onde o calendário da Fórmula 1 será aberto neste fim de semana. Antes de viajar para a Austrália, o vice-campeão de 2008 falou sobre as mudanças no regulamento, os prováveis adversários, os efeitos da crise na categoria e vários outros temas.
– Que mudanças no regulamento técnico devem representar o maior passo em termos de rendimento dos carros?
Acho que no regulamento as mudanças principais do ano passado para este estão na parte aerodinâmica, porque hoje em dia o carro tem muito menos pressão aerodinâmica. Lógico que, com os pneus slick, as coisas melhoram, você tem mais grip mecânico. Mas, depois de certo tempo, quando o pneu já não é mais novo, quando você tem um pneu velho, o carro tem muito menos aderência, a maneira de você controlar o carro é muito diferente do que era no ano passado. É um carro muito mais solto, escorrega mais, um carro que tem menos aderência e isto faz com que o piloto dirija de uma maneira diferente. Mas acho que isso não é problema, depois de alguns treinos a gente aprendeu rápido o jeito que você tem que dirigir o carro. Fora isso, tem outras coisas, como o KERS, que você tem que usar perfeito, todas as voltas no momento certo, no ponto certo para ganhar o máximo de performance possível. Você sabe que aqueles seis segundos que tem em uma volta para usar 80 cavalos a mais tem de ser nos momentos ideais para você não perder nem um décimo daquilo que pode ganhar. E você tem também a asa dianteira móvel, que é importante trabalhar, para acertar o carro mais as curvas de baixa velocidade, porque quando você chega à curva de alta você aumenta a asa e aí tem o balanço ideal para as curvas de baixa e as de alta.
– Pelo que você observou na pré-temporada, é possível dizer que a McLaren começará o campeonato um pouco atrás da Ferrari?
Eu acho que sim. Ate agora é difícil você ter uma idéia clara porque a primeira corrida é o que conta, mas a gente nunca viu uma McLaren tão atrás, uma McLaren tão em dificuldade como neste ano. Muita gente fala que os treinos não são tão importantes quanto um fim de semana de corrida, e é verdade, mas você estando sempre atrás mostra que você não está bem, mesmo usando muito combustível ou com um carro pensando só no treino. E importante você estar sempre bem, independente de estar em treino ou em corrida.
– Algumas equipes vêm sentindo os efeitos da crise mundial. Ela também já chegou à Ferrari?
Acho que um pouco, sim. Apesar de a Ferrari ser uma equipe top, que tem muitos patrocinadores, que tem um budget alto, é uma empresa que tem carros de rua, uma empresa voltada a vender carros, e o setor automobilístico foi afetado, sem dúvida. Então é mais um motivo para mesmo uma equipe como a Ferrari tentar economizar em todas as áreas para gastar o menos possível.
– Você teme que a crise possa continuar afugentando patrocinadores da Fórmula 1 ou até mesmo provocar a redução dos salários dos pilotos?
Depende muito da crise. Se a crise continua, se a crise aumenta, se a crise não melhora, vai afetar não só o salário dos pilotos como o futuro da Fórmula 1. Depende muito da crise, depende até onde vai chegar essa crise. Eu acredito muito que as coisas devem melhorar. Acho que as coisas melhorando, não deve afetar o salário dos pilotos ou aquilo que acontece na Fórmula 1, os patrocinadores… Sempre há empresas que precisam fazer propaganda e a Fórmula 1 é um esporte, um meio de comunicação muito importante para as empresas, principalmente empresas de tecnologia, que precisam disso. Acho que, com as coisas melhorando, isso não deve acontecer.
– Você tem consciência de que atualmente é o maior ídolo do automobilismo brasileiro? Como lida com o fanatismo dos torcedores?
Sem dúvida, tenho a maior idéia, o maior pensamento dentro de mim de que hoje sou, com certeza, um exemplo para muitas crianças. Um exemplo do piloto, do esportista vencedor, do esportista trabalhador, da pessoa, da imagem da batalha, do trabalho e acho que é muito importante saber o que você representa. Sempre procuro saber, até por blogs, por entrevistas, por pessoas na rua, ter um idéia do que as pessoas acham, do que as pessoas falam, até para você também se policiar e melhorar e saber o que você representa. E saber o que pode falar, o que deve falar, exatamente para ajudar essas pessoas. Então, acho que hoje tenho dentro de mim 100 por cento de idéia daquilo que represento, daquilo que sou, e tento sempre melhorar e demonstrar ainda mais e crescer ainda mais pensando isso.
– Depois daquele eletrizante final de temporada em 2008, em que pontos você acha que está mais forte para bater Lewis Hamilton, Kimi Räikkönen ou qualquer outro piloto?
Mentalmente. Acho que na parte mental foi uma grande lição de vida para mim, uma grande lição de aprendizado pessoal que vai, com certeza, me deixar mais forte para lutar por qualquer campeonato ou por qualquer corrida ou por qualquer vitória ou por qualquer momento que eu tiver na pista. Acho que isso me deixou ainda mais pronto para lutar e me deixou ainda mais forte.
– O regulamento mudou bastante para 2009. Os carros têm menos pressão aerodinâmica, o KERS é outra novidade e os pneus slick estão de volta. Como foi a adaptação a um carro tão diferente?
Acho que com o treino você acaba se adaptando a cada mudança técnica ou esportiva, o que for. Pode parecer estranho, mas todo piloto está acostumado a cada ano começar do zero em muitas coisas. Por exemplo, se você olhar a carreira de um piloto, você começa no kart aí depois você vai para fórmula, você começa do zero, aí você sai de uma categoria e vai para outra, você começa do zero. Depois, vai para a Fórmula 1 e encontra um ambiente totalmente novo, você começa do zero. A cada ano muita coisa muda, a cada ano você tem de se adaptar às mudanças, regulamentos diferentes, com pneus diferentes, motor, carro, reação, regras esportivas. Então, a cada ano a coisa muda e você tem de aprender do zero. Isso faz a diferença entre um piloto de Fórmula 1 e um piloto de outras categorias, porque você tem de estar sempre aprendendo mais rápido que os outros. Acho que as novas regras não mudaram muito o modo de você trabalhar, o modo de você pensar, e me adaptei rápido a todas as regras.
– Aparentemente, seu companheiro de equipe se preparou mais seriamente para este ano. Parece em melhor forma física e, de acordo com a imprensa da Finlândia, Räikkönen teria até reduzido o consumo de álcool. Como ex-campeão, é o piloto que vai merecer preocupação especial ou você vai priorizar Lewis Hamilton?
Nem um nem outro. Todos são adversários. Claro que meu companheiro de equipe corre no mesmo carro que eu. Estando na frente dele, é um motivo concreto para você mostrar que fez o melhor possível com o seu carro. Mas estou preparado para disputar e lutar com qualquer tipo de competidor, tanto o Kimi, como o Hamilton, como o Alonso, como pilotos que podem ser uma surpresa, que talvez não tenham feito um 2008 disputado, mas que podem ser uma surpresa neste ano. Estou preparado para lutar com qualquer tipo de piloto e não só com o meu companheiro de equipe, com o Hamilton, com todos.
– Em função dos resultados do ano passado, acredita que a pressão sobre você aumentou? Está pronto para enfrentar as expectativas da torcida?
De jeito nenhum, eu sempre fui um piloto que tive muita pressão, talvez até mais pressão que os outros. Porque quando entrei muita gente disse que eu não merecia estar na Ferrari; quando eu cometia um erro, todo mundo lembrava meu passado, ou diziam que o meu empresário era o Nicolas Todt. Diziam que eu estava lá só por isso. Ou, então, quando ganhei a corrida muita gente achou que talvez ganhei por sorte e não porque merecia. Quando quase fui campeão do mundo em 2008 e meu companheiro estava atrás de mim, muita gente dizia que era o Kimi que tinha problema e não eu. Então, a pressão faz parte da minha vida e não estou nem um pouco preocupado se eu vou ter mais ou menos pressão. Sempre espero a maior pressão possível da imprensa porque sempre tive e não é pensando nisso que você vai melhorar ou piorar. É pensando em saber o que você precisa e no seu trabalho. E saber que não preciso demonstrar nada para ninguém, que eu sou capaz de vencer, de lutar pelo campeonato, e é só o que quero.
– O que você pensa a respeito do pacote aerodinâmico de 2009? Está satisfeito com o que a Ferrari mostrou até agora?
Minha opinião é que as novas regras podem fazer as equipes ainda mais competitivas; podem fazer algumas surpresas, aparecerem algumas equipes que não foram bem no ano passado e serem competitivas neste. Acho que as novas regras estão aí para deixar o campeonato ainda mais competitivo, acho que é isso que deve acontecer. Sobre a Ferrari, estou satisfeito. Acho que a gente fez o que a gente deveria ter feito. O carro é competitivo, é rápido, é constante, a gente conseguiu andar bastante e fazer algumas simulações de corrida onde o carro não apresentou problemas. Espero que os pequenos problemas que surgiram tenham sido resolvidos. A gente está pronta para começar o campeonato e espero que a sejamos tão competitivos como nos últimos anos.
– Como analisa os testes de inverno? Por que a Brawn e a Toyota impressionaram tanto?
Lógico que algumas equipes foram uma surpresa. A gente viu uma Brawn GP ressuscitando das cinzas, chegando e sendo um segundo mais rápido que todo mundo. Uma Toyota de uma hora para outra crescendo e melhorando muito seu carro. Com certeza, eles têm alguma coisa a mais que as outras na parte técnica, na parte aerodinâmica, onde quer que seja, não sei, mas eles têm algo a mais que deve estar dando uma diferença muito grande para a equipe deles. Agora cabe a nós ter um carro tão competitivo quanto, saber da onde vem esta diferença e tentar fazer nosso carro crescer ou saber se esta diferença vem de alguma coisa, de alguma área que ainda não é tão clara.
– Em relação às equipes, quais serão as principais adversárias da Ferrari?
Se as coisas são reais, a principal adversária é a Brawn GP. Olhando os últimos treinos, o que aconteceu, com certeza, é a Brawn GP.
– Como está se adaptando ao KERS? O sistema é mais útil para ultrapassagens ou para escapar da pressão de quem vem atrás? Embora você seja um dos pilotos mais leves do grid, também precisou perder peso?
Entendo que o KERS é necessário em qualquer tipo de ocasião. É necessário para tempo de volta, você sabe que você pode virar de 3 a 4 décimos mais rápido na volta tendo o KERS; é necessário para você usar em todas as voltas, você sabe que tem uma perfomance a mais em cima disso, e também é supernecessário para uma ultrapassagem, uma largada, onde você tem mais potência do que quem não tem o KERS. Ali é você decidir onde usar, entender se o carro que está na sua frente usou, e você não usou naquele ponto, você sabe que no próximo ponto você tem uma vantagem em cima dele. E necessário sempre estar usando e sempre estar usando no momento certo para ter a vantagem em cima dos outros. Não precisei perder peso porque já sou um piloto bem leve. Não sou um piloto alto, tenho 1m67 de altura. Peso, sem macacão, sem capacete e sem roupa, em torno dos 60 kg, e com macacão em torno dos 63 kg. Eu continuo fazendo meu treino ainda mais intenso na parte física, sem perder peso, para ter a força necessária do começo até o final da corrida. Com tudo ideal, mesmo usando o KERS e tendo o peso abaixo do limite da FIA e tendo que repor este peso através do lastro para acertar bem a distribuição de peso.
– A Fórmula 1 passou por uma renovação de nomes nas recentes temporadas. Desta vez, no entanto, o único estreante é Sébastien Buemi. Por causa da baixa média de idade do grid, você acha que esses pilotos permanecerão longo tempo em atividade ou ainda haverá chance para os novatos?
Acredito que sim. Acredito que a gente tem uma safra muita boa de pilotos. Nos últimos anos tivemos pilotos jovens como Hamilton, como Vettel, pilotos supertalentosos que vão ficar aí para os próximos vários anos Fórmula 1. Hoje em dia, a F-1 apesar de ter 20 carros, não há mais um piloto que não mereça estar na F-1, não tem nenhum que se possa dizer que esta lá porque têm dinheiro, porque têm patrocinadores. Acho que todos os pilotos que correm na Fórmula 1 são extremamente talentosos e isso faz a categoria ainda mais competitiva.
– Depois de terminar o ano passado como vice-campeão, você observou que o campeonato não foi perdido na última curva da última volta da última prova e o próprio diretor esportivo Stefano Domenicali reconheceu que você foi vítima dos erros da equipe. Vocês já discutiram internamente o que deu errado? Acha que essas coisas podem mesmo fazer a diferença?
Sem dúvida, acho que foi totalmente trabalhado dentro da equipe, a gente sabe onde a gente errou, a gente sabe onde a gente perdeu pontos, a gente sabe todos os motivos, indiferente se foi um problema do carro, da equipe, se foi um problema do piloto, de quem seja, a gente sabe de onde veio o problema e a gente tem que trabalhar em cima disso, para que essas coisas não aconteçam mais. Para que o carro seja sempre competitivo, para que o carro seja sempre confiável, para que equipe seja sempre eficiente no trabalho de pit stop, no trabalho de desenvolvimento do carro, no trabalho de eficiência, para que nada aconteça de errado. Infelizmente, a gente perdeu um titulo, eu poderia ter vencido meu primeiro campeonato, mas acho que serviu também como lição e experiência para que isso não aconteça mais.
– Você enfrentou problemas com o aquecimento da bateria do KERS na última semana dos testes de inverno. A utilização do KERS em Melbourne já está decidida ou ainda poderá haver uma avaliação final nos treinos da sexta-feira?
Se você olhar os problemas que a gente teve no KERS, os quilômetros que a gente percorreu com o KERS, e se você olhar tudo o que aconteceu, acho que temos de usar o KERS. É uma peça superimportante no nosso carro e pode fazer a diferença. Acredito que a gente tem a possibilidade de usar o KERS sempre e, se você tiver um problema no KERS, tem de desligá-lo e continuar. Esse é o caminho que a gente tem de seguir. Acho que a gente tem de usar, acho que já está decido e a gente vai usar sempre o KERS.
– No que esses novos carros da Fórmula 1 são diferentes em relação à pilotagem?
Claro que quando você tem um pneu novo e tem toda a aderência e o grip necessário, você tem um carro não muito diferente do que era no ano passado. Guiando no limite, freando onde tem que frear, tirando o máximo do carro sem nenhuma diferença grande que era no ano passado; lógico que em um carro com pneus usados com muito menos carga aerodinâmica que a gente tinha, ali sim você tem uma diferença grande em dirigir o carro. Você tem um carro mais solto, um carro que escorrega muito mais, um carro que tem muito menos pressão aerodinâmica, um carro que é até um pouco mais fácil de errar e muitas coisas para mexer a mais que no ano passado. Isso mudou um pouco, mas não foi um grande problema de adaptação, e estou basicamente adaptado a todas as regras.