Na semana passada, escrevi sobre a confusão criada sobre a questão do recurso da Renault contra os dutos da Racing Point. Havia feito meu texto antes da decisão da FIA sobre o assunto. E este caso é exemplar de como a política é extremamente forte na F1.
A FIA acabou dando uma do que os antigos chamariam de “uma no cravo, outra na ferradura”: reconheceu o mérito do recurso, considerando que a Racing Point usou das peças para poder fazer o seu projeto e puniu a equipe com a perda de 15 pontos do GP da Estíria e € 400.000 de multa pelos GPs da Hungria e Inglaterra. Mas ao mesmo tempo, disse que o carro não estava fundamentalmente fora do regulamento e autorizou o time a usar os dutos de freio traseiros.
Como escrevi, a FIA, antes de ser técnica, é política. De certa forma, ela reconheceu a incapacidade de poder controlar este tipo de coisa. E se não fizesse nada, daria a impressão de “passar pano” na situação. É uma forma de tentar limpar a barra diante do famigerado “acordo secreto” fechado com a Ferrari no início do ano acerca das Unidades de Potência italianas.
Mas a briga passou a ser não somente Racing Point x Renault. Esta confusão veio do recurso impetrado pelos rosados contra freios franceses no Japão ano passado. E da mesma forma que houve a acusação de que a dica foi dada por um ex-funcionário da Renault, desta vez a origem teria sido a informação dada por um ex-colaborador da Racing Point.
A decisão acabou por detonar um terremoto. Afinal de contas, a briga basicamente era contra uma equipe que resolveu dar um passo à frente do conceito iniciado pela Haas. A preocupação de alguns times, como a McLaren, era que um time que optasse por comprar itens de outros e inclusive usar o conceito, pudesse superar aqueles que decidiram fazer tudo por si próprios. Mas foi além disso.
Como a decisão cabia recurso, houve um verdadeiro “nós contra eles”. A Racing Point se viu acuada não somente pela Renault, mas também pela McLaren, Williams e…a Ferrari. A Red Bull declarou que não faria nada, mas que assistiria a ação com atenção.
Muita gente acabou estranhando a Ferrari ter se metido no meio da confusão. Além de querer se garantir financeiramente- pois a realidade italiana hoje é brigar pelo meio da tabela e o importante é reduzir o prejuízo no campeonato de construtores, fonte dos recursos das equipes – o foco é atingir a Mercedes.
Alemães e italianos já estiveram juntos no ano passado no intuito de manter as regras de motor e nas negociações do novo acordo comercial da F1(“Pacto de Concórdia”). Só que a acomodação feita com a FIA no início do ano fez a união mixar. E agora o objetivo é atingir os alemães, que nadam de braçada na temporada e são os padrinhos da Racing Point.
E o que parecia uma “FIAcedes”, como diriam alguns maldosos, pode voltar a ser uma “FIArrari”, se a intenção do órgão de regular o chamado “modo festa” dos motores na qualificação, o que atingiria os alemães, que conseguiram desenvolver melhor do que os outros este módulo, que estima liberar cerca de 150 a 200 cavalos. Helmut Marko estimou que a diferença pode ficar em cerca de 1 segundo em Barcelona.
Coincidentemente, esta troca de tiros acontece quando se discute a renovação do acordo. A intenção é fechar ainda este mês, mas a Mercedes na semana passada declarou que “não estava pronta para assinar”, chegando até poder abrir mão de um bônus de assinatura. Nesta confusão, McLaren e Williams, que se mostraram tão solicitas em entrar com recurso na decisão da FIA, decidiram recuar, dizendo que “acreditam na capacidade da FIA em evitar a aparição de cópias em 2021”. Curiosamente, as duas tem acordo com os alemães para fornecimento de motores…nada é por acaso…
Na verdade, temos uma briga que a Racing Point acaba por ser um modo de alcançar a Mercedes. Como também a Haas já foi usada desta forma para atingir a Ferrari, em uma forma bem semelhante. E a Renault conseguiu dar uma “pregada” nos americanos em 2018, quando conseguiu invalidar resultados da Haas no GP da Itália daquele ano por irregularidades no assoalho. Lembrando que a equipe também sofreu com as acusações de ser cópia da Ferrari e as coisas se dissiparam junto com a queda de desempenho.
Corridas não são ganhas somente na pista. Esta é mais um exemplo de que a política entra na pista e pode ser mais decisiva do que um bom chassi, pilotos habilidosos ou um motor potente…
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