F1: Martin Donnelly detalha seu grave acidente em 1990 e a ajuda de Senna

O ex-piloto de Fórmula 1, Martin Donnelly, sofreu um fortíssimo acidente durante o final de semana do GP da Espanha de 1990, quando corria pela equipe Lotus, sofrendo lesões que mudaram sua vida, e encerraram sua carreira prematuramente.

Donnelly sofreu ferimentos muito graves, em seu terrível acidente durante a qualificação em Jerez. As imagens da cena do acidente chamaram a atenção de todos, mesmo nos anos seguintes, com Donnelly gravemente ferido caído no meio da pista, ainda preso em seu assento de corrida, com seu Lotus dividido em muitos pedaços espalhado pela pista.

As lesões fizeram com que Donnelly nunca mais corresse na F1, embora ele tenha se tornado um treinador de pilotos, e ocasional comissário de corridas da FIA em sua carreira pós-F1.

O acidente que mudou a vida de Donnelly ocorreu em 28 de setembro de 1990, e ele contou a experiência 32 anos depois, no podcast Beyond the Grid, com Tom Clarkson.

Donnelly explicou que não se lembra das especificidades do acidente, ou do fim de semana espanhol no geral, com suas últimas lembranças sendo de participar do GP de Portugal realizado antes de Jerez. “Depois de Portugal, não me lembro de muita coisa”, disse ele.

“Aparentemente, recebemos duas scooters da equipe onde levei minha noiva pela pista. Há uma parte, quando você chega às duas últimas curvas rápidas, você pode sentar na parte de trás do paddock. Eu tinha amigos lá que estavam assistindo, junto com o Roberto Moreno (brasileiro e ex-piloto de F1), que não tinha pré-qualificado.”

“Mais tarde naquele dia, depois do acidente, Roberto voltou ao paddock, para conversar com minha noiva, e disse que eu estava bem e tinha quebrado as duas pernas. Os caras diziam: “Isso não é possível, aquele cara estava morto’. Muita gente não sabia na época. Um bom amigo meu, Mark Gallagher, foi ao Hospital de Sevilha para ver o relatório, e informar Maurice Hamilton e os outros jornalistas do paddock sobre minha condição.”

“Também veio o Ayrton (Senna), e do lado de fora da UTI, ele disse para o Mark que arrumaria um avião para eu voltar, e também daria ajuda financeira”, afirmou.

Com a carreira de Donnelly na F1 terminando no momento em que seu carro bateu naquele muro, ele queria uma explicação sobre o que causou o acidente, já sabendo que não foi um erro de pilotagem.

“Me foi dito pela equipe, não estou mencionando nenhum nome, que, naquela época, tínhamos um degrau levemente elevado no assoalho do carro”, disse ele.

“Havia algo que estava colado embaixo do assoalho, sem uma cobertura de fibra de vidro para proteger, apenas encaixado, e isso paralelo aos amortecedores. Havia muito atrito, e a ‘cabeça’ do amortecedor dianteiro do lado esquerdo, quebrou devido à quantidade de atrito e, infelizmente para mim, quebrou assim que fiz a curva mais rápida do circuito na qualificação.”

“Se tivesse durado mais um milissegundo, a última curva tinha uma grande área de escape e uma barreira de pneus. Ok, provavelmente teria doído, mas o carro não teria partido ao meio”, acrescentou.

Donnelly foi perguntado sobre como ele se sente quando vê as fotos de seu corpo claramente ferido, com uma das pernas dobradas no meio do osso, deitado na pista ou assiste ao vídeo (como foi visto na cinebiografia de Senna de 2010).

“Acredito que estou vivo por causa do meu capacete. Era laranja, eram minhas cores”, disse ele. “Mas, se você não se lembra de algo… Eu pilotei o carro em Goodwood alguns anos atrás (em 2011). Pela primeira vez depois de tudo. Nós nos organizamos para fazer o tempo rápido naquele fim de semana, usei alguns pneus especiais, mas não foi um problema porque não há memória.”

“Mas, por causa de Jerez e outros acidentes desde então (um acidente de moto onde quebrou a perna novamente em 2019), fui ensinado pelo meu cirurgião que, se eu cair e quebrar essa perna novamente, ele diz que não haverá uma terceira vez. Ele disse que o problema de consertar a perna pela segunda vez foi que há mais osso em uma pista na Europa em algum lugar do que realmente nas minhas pernas! Eu tenho uma placa de metal ali segurando o osso. Se eu cair e quebrá-lo de novo, é o fim de tudo”, acrescentou.

Donnelly também falou sobre como o professor Dr. Sid Watkins (médico da F1 por muitos anos), o manteve vivo. “Ele sabia que o tamanho do impacto do acidente foi muito sério. Seus órgãos internos não ficam parados em uma situação dessa, eles vão junto com a inércia. Acho que meu acidente foi em torno de 42G. Ele (Watkins) sabia por experiência que meus órgãos entrariam em choque e não funcionariam bem. Então era importante me tirar de Sevilha, de volta a Heathrow, de volta à Inglaterra para seu hospital, o Royal London Hospital em Whitechapel.”

“Eu estava lá na terça-feira à noite e, como ele previu, na quarta-feira, meus rins, meus pulmões, tudo simplesmente parou. Eu fiquei em um respirador por sete semanas. Fiz diálise renal todos os dias durante três horas e, com isso, o capelão do hospital veio e me deu uma ‘extrema unção’.”

“Duas vezes na mesa de cirurgia, meu coração parou. Eles tinham que ficar longe, colocar a máquina de choque, e me dar uma sacudida para me trazer de volta. Então, três vezes Sid me trouxe de volta”, acrescentou.

A afirmação de Donnelly de que Watkins o ressuscitou três vezes, resultou em Clarkson apontando se isso significava que Donnelly precisou ser trazido de volta imediatamente após o acidente.

“Eu não estava respirando porque engoli minha língua”, disse ele. “Mas, entre o acidente e Sid chegar até mim e avaliar o que estava acontecendo, foram 11 minutos e meio. Então o cérebro… as pessoas dizem que isso me afetou. Acho que minha esposa concordaria!”, disse rindo.

“Sid abriu minha viseira, ele pôde ver que eu tinha ficado com um tom pálido de azul. Ele pegou dois tubos, enfiou-os no meu nariz, me estabilizou novamente respirando novamente com o oxigênio, ele cortou as cintas e retirou o capacete. Ele me levou ao Centro Médico, depois me levou de avião para Sevilha. Senna então conversou com Sid por duas horas e meia no Centro Médico.”

Não apenas o Dr. Watkins salvou a vida de Donnelly, mas o irlandês acredita que deve o fato de ainda ter a perna esquerda e a capacidade de andar, ao falecido neurocirurgião.

“Já em Sevilha, estive muito próximo da amputação. Quando Sid deixou o circuito, levou consigo um rapaz que falava espanhol e inglês. Os médicos que estavam na sala de cirurgia, no que dizia respeito a eles, eu era paciente deles porque estava no hospital deles. Sid disse: ‘Não, ele é meu paciente. Eu sou o delegado da FIA, ele é meu paciente’,” afirmou.

“Este rapaz, que Deus o abençoe, traduziu entre o espanhol e o inglês. Foi uma luta completa, gritando. Ele ficou traumatizado tentando traduzir o que Sid estava dizendo aos cirurgiões e eles diziam: ‘Temos que tirar essa perna’, por causa da quantidade de sangue que eu estava perdendo. Sid tirou o próprio cinto da calça, colocou-o em volta da minha perna para parar o fluxo de sangue e salvar a perna. Se ele tivesse demorado uma hora, meia hora, essa perna teria sido amputada.”

Tendo passado por inúmeras cirurgias para salvar sua vida e membros, Donnelly disse que o dano resultante ainda é perceptível até hoje.

“Minha perna esquerda é uma polegada e meia mais curta que a direita”, disse ele. “O cérebro… depois de cerca de 2.000 passos, não diz para a perna funcionar, e eu tropeço. Se estou em um aeroporto ou em algum lugar, é embaraçoso.”

“A perna esquerda foi quebrada. O fêmur estava muito quebrado, a canela também, o pé todo mutilado e torcido. Meu pé esquerdo estava fundido. Não consigo sentir do joelho para baixo, mas, embaixo do pé, é hipersensível. A parte superior do pé, os dedos são todos enrolados porque há danos nos nervos. Minha perna direita estava bem. Minha omoplata também foi quebrada, perfurei meu tímpano. Minhas mãos estavam bem, não havia nada demais. Mas muito do problema, eram órgãos internos, e são muitos para lembrar”, disse ele.

Com a extensão das lesões de Donnelly, ele foi rapidamente informado de que sua carreira de piloto não poderia ser retomada, devido à falta de mobilidade em sua perna. Mas isso não impediu Donnelly de colocar cada pedacinho de sua força de vontade na tentativa de se recuperar totalmente.

“Eu estava no hospital e depois fui me tratar com Willi Dungl na Áustria”, disse ele. “Foi ele que colocou Niki Lauda de volta em seu carro seis semanas após seu grave acidente em Nurburgring. Ele era o guru. Muitos dos fisioterapeutas e nutricionistas, os serviços às equipes de F1 foram subcontratados pelo próprio Willi.”

“Achei que como ele conseguiu recuperar Niki em seis semanas, ele poderia me recuperar em dois meses, certo? Eu não percebia o quão ruim minha perna esquerda estava. Porque eu tinha um fixador externo na perna e estourei uma artéria em novembro, porque minha perna não estava sendo movida, fiquei de cama de setembro a fevereiro, na mesma posição.”

“Não fui movido ou colocado de lado, porque havia fixadores na minha perna. Então, quando minha artéria estourou, eles me levaram às pressas para a sala de cirurgia. Eles fizeram um enxerto de veia na minha perna direita para estancar o sangue, o que funcionou. Mas então, porque eu não estava sendo movido, o músculo da coxa colou no meu fêmur. E é por isso que eu manco e não consigo dobrar a perna.”

Cinco anos depois do acidente, Donnelly passou por outra cirurgia, desta vez cortesia de um ex-rival Matt Bartlett, que conseguiu melhorar a mobilidade de sua perna, e permitir que Donnelly movesse o pé novamente.

Mas depois disso, seus pensamentos se desviaram de tentar retomar sua carreira de piloto, quando o cirurgião disse: ‘O cara lá em cima estava tentando lhe dizer. Eles trouxeram você de volta à vida três vezes. Você tem uma família, você tem uma vida. Deixe isso pra lá’.”

Foi um conselho que Donnelly aceitou em definitivo, com a morte do rival e amigo contemporâneo, Ayrton Senna. Ambos correram pela equipe de Fórmula Ford de Ralph Firman no início dos anos 1980.

“A morte de Ayrton em 1994, foi o que me fez esquecer de uma vez tentar voltar a correr”, disse Donnelly. “Ele teve uma grande vida, três vezes campeão na Fórmula 1, quem sou eu comparado a ele? Então me concentrei no meu próprio negócio”, concluiu.