Você não está ficando maluco. Claro que o três vem depois do dois. Mas no caso de Ayrton Senna, podemos fazer uma brincadeira. Afinal de contras, 29 anos atrás, o brasileiro conquistava o seu terceiro título na F1.
A temporada acabou sendo extremamente pesada. Senna vinha defender seu título com um pacote totalmente novo: o McLaren MP4/6, equipado com o novo Honda V12. Os japoneses decidiram abraçar a nova arquitetura por questões de desenvolvimento (o V10 havia chegado ao limite) e históricos (a fábrica usou os 12 cilindros na primeira entrada na categoria, entre 64 e 68). Já os ingleses rasgavam a linha de desenho usada desde 88 e se inspiravam claramente na Ferrari 641 (a McLaren trouxe da Itália o francês Henri Durand, que trabalhou na aerodinâmica do 641).
Se esperava que a grande resistência viria mais uma vez da Ferrari. Os italianos vieram com uma versão revisada do carro anterior, o 642. Junto com Alain Prost, estava a sensação de 90, o francês Jean Alesi. E a situação parecia a favor, pois Prost liderou boa parte dos testes de inverno.
Por fora, vinham a Williams, que trouxe de volta Nigel Mansell e contava com o FW14, concebido por Adrian Newey, e a Benetton, que trazia a dupla Piquet e Moreno e um novo projeto feito pelo “mago” John Barnard.
Quando chegaram à Phoenix (EUA), para a primeira etapa do ano, muitas dúvidas pairavam no ar: a Ferrari havia dominado a pré-temporada, a Williams tinha um carro rápido, mas pouco fiável e a Benetton só estrearia seu novo carro na terceira etapa do ano, em San Marino. A McLaren teve o carro pronto em cima da hora, só participou dos últimos treinos no Estoril.
Mas o início da temporada foi matador por Senna. Dominou Phoenix, venceu Brasil de modo épico ( o famoso “milagre da 6ª marcha”, quando levou as ultimas 7 voltas com uma única marcha) e ainda levou San Marino e Monaco.
Entretanto, o domínio era enganoso: a Williams mostrou que tinha condições de brigar, pois Mansell foi perseguidor boa parte da prova no Brasil e em San Marino, mais uma vez o carro mostrou problemas de confiabilidade, especialmente no câmbio. A Ferrari se perdia em uma de suas brigas internas e Prost vencia uma briga de braço de ferro com Cesare Fiorio, então chefe de equipe. O ponto alto desta lambança foi a rodada do francês na volta de apresentação de San Marino…
Senna alertava a McLaren e a Honda para a necessidade de avançar no desenvolvimento. E o alerta vermelho acendeu no Canadá, quando as Williams dominaram a corrida e Mansell só perdeu nas últimas curvas por conta de um problema no alternador. E a vitória caiu no colo de Nelson Piquet, que já vinha com a Benetton “tubarão”, projetada por John Barnard e que se desligou do time justamente neste fim de semana.
Depois, só deu Williams: Patrese no México e Mansell ganhou França, Inglaterra e Alemanha. A Ferrari trouxe um carro novo na França, o 643, que fez Prost lutar pela vitória na França. Senna tentava lutar e a McLaren juntamente com a Honda trabalhavam febrilmente: chegaram ao cúmulo de levar 5 carros e 3 versões de motor para Silverstone. Peças que eram pensadas para a próxima temporada, como o câmbio semi automático e suspensão ativa passaram a ser consideradas para a próxima corrida.
Senna chegou à Hungria com somente 8 pontos à frente de Mansell. A pressão era enorme e o brasileiro conseguiu se impor e venceu a corrida, com a ajuda de mais mexidas da McLaren e Honda. Na Bélgica (onde apareceu um tal de Michael Schumacher andando na Jordan), contou com a sorte (Mansell teve problemas, Alesi estourou o motor) e também levou. Mansell conseguiu vencer na Itália e manteve a esperança…
Só que em Portugal, a coisa foi à breca: na 31ª volta, Mansell entra no box para fazer sua troca de pneus. Após 7,75 segundos, arranca e…sai o pneu traseiro direito. A Williams 5 fica atolada no pit lane. Os mecânicos ainda tentam colocar o pneu, mas o inglês é desclassificado. Senna chega em segundo e abre 24 pontos de vantagem, faltando mais três etapas.
Na Espanha, um aguaceiro marca a inauguração do Circuito de Montmeló. Mansell consegue vencer e se aproveita de um péssimo momento de Senna, que chega em quinto. Nesta prova, temos um daqueles momentos importantes da categoria: Mansell e Senna descendo a reta, quase batendo rodas.
A categoria chega ao Japão. A Mansell não interessa nada menos do que a vitória para levar a decisão para Austrália. A McLaren traz revisões no MP 4/6 e a Honda entrega a última revisão de seu V12 para Berger e Senna. Era uma disputa boa de se ver.
Berger consegue marcar a pole, deixando Senna 2 décimos atrás. Mansell consegue ficar em terceiro e vai tentar jogar tudo na largada. Mas os companheiros da McLaren se acertam: Berger iria tentar manter a liderança e Senna “faria a marcação” do inglês. O austríaco tentaria andar o mais rápido possível para abrir uma boa diferença, caso Mansell passasse Senna.
E a largada seguiu este figurino: Berger pulou na frente e Senna segurou Mansell. Mansell conseguia se aproximar nas curvas, mas o motor Honda tinha uma melhor saída , o que permitia Senna se manter à frente.
Até que no início da 10ª volta, o lance que definiu a corrida e o campeonato: Na aproximação para a primeira curva, Mansell perdeu o controle do carro (turbulência? Freio com problemas?) e vai parar na caixa de brita, sem conseguir voltar. Senna conseguia vencer o seu terceiro campeonato.
A partir daí, o brasileiro passou a fazer sua corrida: tirou a diferença de 5 segundos que o separava de Berger e o ultrapassou. E assim foi até o fim da prova, quando, no término da última volta, Senna abre caminho para que Berger obtivesse sua primeira vitória na McLaren. Foi uma manobra inesperada, que deixou o austríaco chateado e motivou o famoso “eu sabia” de Galvão Bueno na transmissão.
A entrevista pós-corrida acaba sendo um grande desabafo sobre tudo que havia acontecido ali nos anos anteriores. Aproveitando que havia tido uma mudança no comando da FISA (Max Mosley havia assumido o lugar de Jean-Marie Balestre), Senna abre a metralhadora e disparou contra muita coisa. Houve um certo barulho, mas não houve maiores consequências.
O GP da Austrália acaba sendo uma formalidade. Ainda mais por conta do aguaceiro que caiu no dia da prova, fazendo que só houvesse 14 voltas. Além de ser o fechamento da temporada, acabou sendo a última prova de Nelson Piquet na F1.