Por Luís Joly
Há dez anos, Interlagos fervia como nunca. Ainda sofrida pela inesperada morte de seu ídolo maior, a torcida brasileira via em Rubens Barrichello um fio de esperança de alentar um pouco a dor da perda. Barrichello, jovem e imaturo, caiu como uma presa fácil nas teias da imprensa. Naquele ano de 1996, o jovem piloto cada vez mais assumia o papel de postulante oficial ao título de substituto de Ayrton Senna. Uma ingrata e sofrida missão.
Como sempre fazia no GP do Brasil, (in)voluntariamente Barrichello enchia o Brasil de esperança por uma vitória canarinho em nossas terras, um sabor que ainda era fresco desde a última, em 1993. Para 1996, as novas cores da Jordan dourada refletiam em cada um dos milhões de aguçados olhos a esperança de novos tempos. As cores, o novo patrocínio, e Rubens mal sabia que, ali, naquele momento, estava cumprindo o que o tornaria definitivamente um piloto ofuscado.
A história de Barrichello na Fórmula 1 começou de forma meteórica. Poucos talvez se lembram de sua terceira corrida, no lendário circuito de Donnington Park, na Inglaterra. Lapso perfeitamente compreensível, aliás, pois aquela prova, em 1993, jamais será lembrada por outro fato senão pela magistral primeira volta de Senna, talvez uma das melhores de toda a Fórmula 1, e digna de placa. O que ninguém recorda hoje é que, naquele dia, um pódio poderia ter sido preenchido por dois brasileiros. Um jovem e ousado Barrichello decidiu pelo câmbio semi-automático, ainda prematuro na equipe. E assim foi. Superou o “gigante” Alain Prost, e estava perto de chegar, no mínimo, na terceira posição. Sua sorte, porém, o traiu – talvez pela primeira de uma série de vezes. A poucas voltas do fim, Rubens abandonou a prova com o câmbio avariado. Enquanto voltava aos boxes, via seu compatriota realizar a melhor prova de sua carreira e reafirmar sua vaga entre os melhores da história.
Cerca de um ano depois, aquele mesmo herói nos deixava. Até então, Barrichello vinha seguindo o caminho natural de todo iniciante na categoria, mesclando bons resultados com problemas no carro e faíscas com seu companheiro de equipe, o irritadiço Eddie Irvine. Após 01/05, porém, o piloto da Jordan viu sua carreira antecipada duramente. Até o fim daquele fatídico ano, Rubens receberia a tarefa mais árdua que alguém pode jamais obter: substituir um herói. A pressão da mídia, dos patrocinadores e da torcida fez com que o brasileiro, erroneamente, assumisse o papel.
Os anos que se seguiram foram de vacas magras para o Brasil. Com pilotos medíocres em carros ainda piores, o país deixou de ser referência no esporte. No final da década de 90, até mesmo a TV Globo questionou a importância da Fórmula 1 em sua grade de programação, enquanto via baldes de sambistas preencherem as filas da então incômoda Fórmula Indy. Em frente à nebulosa rede de incertezas da emissora, estava Barrichello, que tragicamente ia se tornando motivo de chacota enquanto penava na já extinta Stewart Ford.
O pior, porém, ainda estaria por vir: quando a órfã nação brasileira já não esperava muito de seu pupilo, as coisas mudaram. Uma excelente temporada em 1999 mostrou ao mundo que Barrichello ainda poderia virar o jogo. E, então, a consagração maldita que mudaria sua vida: o anúncio de sua contratação pela Ferrari, a equipe que vinha crescendo exponencialmente desde a contratação de Schumacher e sua trupe. O brasileiro chegava para assumir o papel de seu antigo desafeto Irvine, e cegamente, fez o Brasil acreditar que haveria uma luta na equipe pelo posto de primeiro piloto. Em 2000, ano de sua estréia na equipe de Maranello, Barrichello conseguiu colorir o autódromo José Carlos Pace de vermelho. A torcida, presente em massa, esperava ali que finalmente, o agora maduro piloto, fosse capaz de retomar as alegrias de domingo.
Não foi o que aconteceu, no entanto. Nem naquele domingo em Interlagos, nem nos 4 anos seguintes. O que se viu foi o maior período hegemônico de uma equipe e um – isso mesmo, apenas um – piloto na história da categoria. Entre 2000 e 2004, vimos a transformação de Michael Schumacher. De um excelente piloto, passou a dono de todos os recordes, enquanto a equipe vermelha dominava com extrema precisão na construção de seus carros, aparentemente imbatíveis. E havia um brasileiro pilotando um daqueles bólidos. Porém, tal fato era mais um motivo de vergonha do que orgulho.
Melancolicamente, Barrichello saiu da equipe, e rancoroso, guardou mágoa com seus antigos companheiros. A transferência para a Honda, mais uma vez, trouxe à tona a eterna lembrança amarela – o motor com que Ayrton venceu todos seus campeonatos. De protagonista, porém, Barrichello foi, ao longo desta última temporada, passando a coadjuvante. E viu mais um brasileiro na Ferrari – o jovem e até então inexpressivo Felipe Massa.
Massa vem sem trazer nos ombros o peso de substituir um herói. Justamente o contrário. O brasileiro que tem no sobrenome a mais famosa especialidade italiana chegou à Ferrari para o lugar de alguém que, muitas vezes como um político, tanto nos encheu de esperança, mas pouco realizou. De sua primeira pole, em 1994, até a primeira vitória, em 2000, Rubens Barrichello procurou representar o Brasil da melhor maneira. Injustamente, porém, a sombra de Senna sempre o acompanhou.
Agora, após a vitória de Massa no Brasil, imaginam o que se passa pela cabeça do piloto que estava ali até 2005. Aos olhos da torcida, Massa em um ano já fez mais que Barrichello em quatro. Afinal, a imensa maioria não irá se lembrar das vitórias do piloto da Honda em outros países. Irá, sim, guardar na memória o momento em que Massa, com seu fortuito macacão patriota, parou para fazer a bandeira de nosso país tremular em suas mãos, ainda no carro. Protegido de Jean Todt, o todo-poderoso da Ferrari, cai no colo de Massa a chance de ser o novo ídolo da Ferrari – e a aposentadoria de Schumacher abre a ele uma porta com tentadoras perspectivas. Resta nos saber se ele saberá aproveita-las.