Por Ylan Marcel
Prometi aos leitores na coluna passada que falaria, nesta semana, sobre a história da equipe Copersucar. No entanto, como adoro usar “ganchos” passados, para relacionar minha coluna com acontecimentos do presente, não poderia deixar passar uma oportunidade como esta para falar sobre corridas que renderam apenas metade dos pontos aos pilotos.
Além do GP da Malásia do último final de semana, apenas quatro corridas ao longo dos mais de 800 GPs da história da Fórmula 1 foram vítimas deste aspecto do regulamento.
Uma delas, o Grande Prêmio da Austrália de 1991. Até o domingo passado, o último desta lista. Recentemente, muito se falou sobre a prova, a mais curta da história da categoria. Vamos relembrar, nas próximas linhas, detalhes desta passagem marcante.
A Fórmula 1 desembarcou em Adelaide, naquele início de novembro, com muitas certezas. Ayrton Senna, coroado tricampeão mundial no GP anterior, em Suzuka, no Japão, pela McLaren. Já pelos lados da Ferrari, as coisas não andavam tão bem. Alain Prost acabou tendo seu contrato encerrado, depois de fazer muitas críticas ao carro vermelho, chamando-o de “trator”. Seu substituto, o italiano Gianni Morbidelli, teria, enfim, uma oportunidade num grande time.
O brasileiro Roberto “Pupo” Moreno também estava de volta. Após duas corridas de ausência, quando foi mandado embora da Jordan – após o GP de Portugal – defenderia a terceira equipe diferente naquela temporada. Ocuparia, então, o lugar deixado por Morbidelli, na Minardi. O piloto, que havia iniciado o ano na Benetton, ao lado do amigo Nelson Piquet, perdera sua vaga para o promissor alemão Michael Schumacher a partir do GP da Itália.
Falando em Nelson Piquet, o tricampeão não renovou seu contrato com a equipe colorida e participaria de seu último GP na carreira.
O belga Bertrand Gachot era outro que retornava. Depois de se envolver numa briga de trânsito e ser preso na Grã-Bretanha, cumpriu alguns meses de reclusão e estava pronto para ocupar o lugar de Eric Bernard na Larrousse, que havia se acidentado na prova anterior, no Japão.
Esse era o panorama para a última corrida da temporada. Tanto nos treinos livres como no qualifying, o clima esteve bom, com pista seca e muito sol. Gabriele Tarquini, atualmente no WTCC, não conseguiu passar da pré-qualificação, após uma falha de suspensão em seu AGS na curva 11 do circuito, provocando um pequeno acidente.
O japonês Naoki Hattori foi outro que não passou desta primeira fase de treinos. Pilotava a fraquíssima Coloni e jamais teria outra oportunidade na Fórmula 1.
Outro piloto do país do sol nascente a fracassar na sessão foi Aguri Suzuki. Bateu forte com seu Larrousse na curva 1 e encerrou ali seu fim de semana.
Martin Brundle, em sua última participação pela Brabham-Yamaha, também não obteve lugar no grid. Eram outros tempos. Atualmente, Bernie Ecclestone e Max Mosley fazem de tudo para aumentar o número de equipes na Fórmula 1. Há aproximadamente 20 anos, eram times demais e nem todos podiam alinhar seus carros na corrida de domingo.
Na linha de frente, a McLaren surpreendeu e superou a Williams na primeira fila. Senna cravou sua 60ª pole na carreira, tendo a seu lado o fiel escudeiro, o austríaco Gerhard Berger. A segunda fila era toda da Williams, com Nigel Mansell à frente de Riccardo Patrese. Mais atrás, a Benetton batia a Ferrari e tomava conta da terceira fila. Nelson Piquet bateu Michael Schumacher pela primeira vez desde que o alemão se juntou ao time. Na quarta fila, as decadentes Ferrari, com Jean Alesi em sétimo e Gianni Morbidelli em oitavo.
Um detalhe que chama atenção no grid é a diferença de performances dos primeiros colocados e dos últimos. Só para ficar entre os grandes times, a diferença das Ferrari para as McLaren ficou na casa de 1,5s. Atualmente, um grid inteiro cabe neste espaçamento.
O domingo amanheceu nublado e com chuva. Na largada, nenhum acidente, bem como nas primeiras duas voltas. Na terceira passagem, Gerhard Berger tem um despiste e cede o segundo posto a Nigel Mansell. O austríaco ainda consegue voltar em terceiro, sem prejuízos no carro. Riccardo Patrese, após uma largada ruim, na qual perdera duas posições, começava o ataque em cima da Ferrari de Jean Alesi.
Lá na frente, os rivais Ayrton Senna e Nigel Mansell batalhavam por mais uma vitória. O inglês estava com a faca nos dentes e, sem nada a perder, descontava rapidamente a desvantagem e se colocava próximo ao brasileiro.
Na volta 5, porém, a chuva apertou e a pista começou a ficar impraticável. Isso afetou Mansell, que se via impedido de atacar Senna, até por conta das diversas bandeiras amarelas agitadas pelos fiscais ao longo do circuito.
Na volta seguinte, o inglês tentou uma manobra ousada sobre Senna, mas foi obrigado a mover seu carro para trás do brasileiro novamente, devido ao Modena de Nicola Larini estar atravessado no meio da pista.
Metros à frente, Jean Alesi tinha batido seu Ferrari e abandonado a disputa. Na volta 10, foi a vez de Pierluigi Martini estampar seu Minardi na curva 10. O impacto foi tão forte que seu carro acabou sendo lançado para o outro lado da pista. Estava claro, àquela altura, que a chuva levaria o GP a ter contornos dramáticos.
Michele Alboreto rodou na volta 15 e a situação só piorava. Até que Mansell bateu forte na 16ª passagem. Berger também abandonaria, com uma rodada. A corrida virou uma batalha naval. Não havia aderência e Senna tentava argumentar com os fiscais de pista para que interrompessem a prova. Quando o brasileiro se preparava para abrir o 17º giro, a bandeira vermelha foi finalmente acionada. Enfim, o bom senso prevaleceu.
No momento da paralisação, Senna liderava, com Piquet em segundo e Morbidelli em terceiro. Completavam a zona de pontos, Andrea de Cesaris (4º), Alesandro Zanardi (5º) e Stefano Modena (6º). No entanto, a classificação válida, nestes casos, conforme a regra que vigora na Fórmula 1, é a de duas voltas anteriores.
Esta regra tem uma razão de ser. Considerando a classificação de duas voltas anteriores, se evitam injustiças e alterações no resultado da prova por causa de uma situação de chuva extrema. Em poucas palavras, busca-se classificar os pilotos com base em suas posições obtidas num momento em que as condições ainda eram relativamente normais. Assim, evita-se a loteria de um resultado bizarro, por conta de situações que estejam fora do controle dos pilotos. Duas voltas, portanto, é considerada uma boa margem de segurança.
No pódio, apenas Ayrton Senna e Gerhard Berger. Nigel Mansell, classificado em segundo, foi encaminhado a um hospital próximo, com ferimentos no pé.
Com apenas 14 voltas válidas, o resultado computou aos pilotos e construtores apenas metade dos pontos nos respectivos mundiais, uma vez que 81 voltas eram previstas. Pela regra, que vigora até os dias de hoje, é necessário alcançar 75% do percurso total para que a pontuação seja distribuída de forma integral.
Isso foi o que aconteceu no GP do Canadá de 1997, quando Olivier Panis, da Ligier, fraturou as duas pernas num violento acidente. Ou em 2003, quando o GP do Brasil, afetado pela chuva, se encerrou com uma tremenda pancada de Fernando Alonso em um pneu de Mark Webber.
Apesar destes GPs não terem sido concluídos em sua totalidade, a pontuação foi creditada normalmente e de forma inteira. Alonso, inclusive, numa semelhança com o ocorrido com Mansell em Adelaide-91, perdeu a cerimônia do pódio por ter ficado inconsciente após a batida. Em ambos os casos, os pilotos não sofreram nada de mais grave.
Vale lembrar que, com o resultado, a McLaren garantiu o título de construtores de 1991, o sétimo de sua história até então, com uma vantagem de 14 pontos sobre a Williams, vice. O time só repetiria igual domínio em 1998, quando venceria o título de pilotos com Mika Hakkinen, além de superar a Ferrari na tabela das equipes. Daí em diante, já são 11 anos de jejum.
Com relação ao GP da Austrália, a Fórmula 1 realizou a última edição em Adelaide no ano de 1995. Na temporada seguinte, se mudou para Melbourne. A corrida é disputada, desde então, no circuito de Albert Park, abrindo a temporada. O país, único representante da Oceania no certame, costumava fechar o campeonato na antiga praça.
Semana que vem eu volto com mais histórias do passado da Fórmula 1.
Um grande abraço e até lá!
Ylan Marcel
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