O ano está terminando com mais uma consagração de Michael Schumacher. Qual é a novidade nisso? A novidade é que, desta vez, foi o sexto título mundial, derrubando o mito dos cinco campeonatos de Juan Manuel Fangio, e o alemão agora está com 70 vitórias. Diante de números como estes, eu e mais 99,9 por cento dos torcedores do mundo todo, podemos nos atrever a dizer que a Fórmula 1 jamais verá um outro piloto com tantas conquistas. Ao final do Mundial de 2003, eu escrevi que quando comecei a viver os bastidores da F-1, chegar a um tricampeonato era o limite natural de um ser humano que se enfiava dentro de um cockpit para enfrentar desafios de coragem, arrojo, técnica, controle emocional em verdadeiras batalhas das quais nem todos saiam vivos. Alguns anos depois um francesinho narigudo, que somava a tudo isso uma frieza excepcional, conseguiu ser tetra, o que já parecia perto demais do mito argentino. Hoje, já existe um hexacampeão. Da mesma forma, com o número de vitórias, lembro que um dos tricampeões com os quais convivi, Jackie Stewart, ao encerrar sua carreira em 73, sentiu que seu recorde de 27 vitórias em GPs, estava perpetuado. Em menos de 20 anos, Ayrton Senna, também tri, chegava a 41 vitórias; Alain Prost, no ano do tetra, pulava para 51, e também Nigel Mansell, britânico como Stewart, já havia superado aquela barreira, somando 31 vitórias. Hoje Schumacher tem 70. E segue em frente.
Abaixo de Schumacher, ou seja, entre os normais, para mim o melhor do ano foi Kimi Raikkonen. Com o que a McLaren conseguiu lhe dar, o finlandês fez um campeonato perfeito. Errou na primeira corrida do ano, mas é desculpável porque foi tentando ultrapassar Schumacher numa disputa de curva em que o alemão não deixou espaço. Depois, passou o resto do ano esperando o carro novo que a McLaren não conseguiu estrear e, ainda assim, conseguiu vencer uma corrida, chegar em segundo sete vezes, duas em terceiro, duas em quarto e uma em sexto, uma regularidade impressionante que o deixou dois pontos atrás do campeão.
Passado o campeonato é mais fácil entender o esforço de Schumacher para terminar em oitavo duas vezes, e uma em sétimo, durante o período em que a Ferrari e a Bridgestone sofreram com o domínio das equipes que corriam de Michelin, na metade do ano. Não fossem esses pontinhos obtidos à custa da persistência de um campeão experiente, o título poderia ter ficado nas mãos de Raikkonen. Da mesma forma, dá para entender a tristeza com que cada integrante da cúpula da McLaren se despediu carinhosamente do finlandês que se retirava do autódromo após ter ficado fora da corrida logo na largada do GP da Alemanha, envolvido em acidente com Ralf e Barrichello. Um bom resultado da McLaren naquela corrida em que Schumacher era carta fora do baralho, também teria dado outro rumo à briga final pelo título. É assim que se aprende o valor de um pontinho no Mundial.
Fazendo um resumo da temporada de Juan Pablo Montoya, aquele que adora desempenhar o papel de anti-Schumacher, apesar das duas vitórias e, principalmente, da arrancada que deu a partir de Mônaco, quando marcou 64 pontos em 80 possíveis e chegou a ficar um ponto atrás do alemão, para mim foi decepcionante vê-lo jogar fora em Indianápolis tudo o que havia feito. Claro que a punição que ele recebeu na corrida (drive-thru) é discutível, mas foi o seu desequilíbrio emocional que lhe tirou a chance de estar na briga pelo título até Suzuka. Ralf foi muito bem até a décima corrida do ano, marcando ponto em todas e vencendo duas. Daí em diante, só terminou uma das últimas seis. Coulthard, pra variar, foi pouco combativo e, mesmo começando o ano com vitória, só voltou ao pódio mais duas vezes e terminou o campeonato 40 pontos atrás do companheiro de equipe.
Rubinho fez um bom ano. Errou logo de saída na Austrália, depois foi prejudicado por um erro infantil da Ferrari no Brasil, em um dia em que ele parecia imbatível em Interlagos, e atravessou um período de instabilidade durante parte do campeonato. Mas ganhou duas corridas de forma brilhante, principalmente a de Silverstone, em que foi, disparado, o melhor piloto da pista. A segunda vitória foi importante porque garantiria o título a Schumacher, independentemente da colocação do alemão na corrida. Aliás, este GP de Suzuka ficou para a história como o dia em que Schumacher mais cometeu erros em toda a sua carreira.
A revelação do ano é Fernando Alonso. Cresceu junto com a Renault, fez duas poles, pagou pela falta de experiência, mas amadureceu e conquistou, na Hungria, o posto de mais novo vencedor (e o primeiro espanhol) da história da F-1, com 22 anos e 26 dias. Alonso fez 22 pontos a mais que o experiente e rápido companheiro Jarno Trulli. Por tudo isso, acaba de ser eleito o “Piloto do Ano” pela revista inglesa F1 Racing, escolha feita através de votos dos leitores de 21 países.
A grande despedida
Saber escolher a hora de parar é uma das grandes dificuldades para todos os grandes esportistas, principalmente no automobilismo, onde um grande campeão faz fama e fortuna. Por isso, Gil de Ferran será sempre conhecido não só pelas vitórias e títulos, mas pelo exemplo de saber parar no momento certo. Com dois títulos na Cart antes de se transferir, junto com a Penske, para a Indy Racing League, Gil começou a pensar em encerrar a carreira após um grave acidente sofrido logo no começo da temporada de 2003. Dois meses depois, na volta à pista, ele conseguiu vencer as 500 Milhas de Indianápolis, um grande sonho de todo piloto, e, mesmo depois de já anunciada a despedida das pistas, momento em que, habitualmente, o piloto corre evitando riscos, ele ainda brigou muito e venceu a última corrida disputada em 21 anos de uma carreira de glórias. Aos 35 anos de idade, plenamente realizado, Gil de Ferran deve ser considerado o personagem do ano do nosso automobilismo.
Comentarista das corridas que são transmitidas pela Rede Globo de Televisão.
Escreve colunas para o jornal “O Estado de São Paulo” há 10 anos, que são publicadas todas as sextas-feiras.
Leme é colunista da F1Mania.net desde o dia 08/08/2003.