Coluna do Rafael Ligeiro: A cara do automobilismo brasileiro

Os padres Manoel da Nóbrega e José de Anchieta certamente jamais imaginariam onde iria chegar o Real Collegio de São Paulo. A instituição que haviam fundado voltada para a educação religiosa de índios que habitavam a região, em 25 de janeiro de 1554, foi apenas o ponto de partida para uma tal São Paulo. Sim, a velha, conhecida, popular e desejada São Paulo. Sim, a “terra da garoa”, que atualmente é o centro econômico do Brasil e um dos mais importantes do mundo.

Como paulistano nascido e criado, logicamente sou suspeito para começar a despejar uma centena de elogios por esse cidade. Mas, da mesma maneira que conheço virtudes e deficiências desta metrópole, devemos deixar qualquer “regionalismo” para trás e reconhecer. Além de quesitos econômicos, socioculturais e muitos outros, São Paulo também é parcela importantíssima no automobilismo brasileiro. Desde a popularização do esporte até a revelação de alguns dos principais nomes das pistas pelo mundo. E certamente não haveria corrida melhor que as Mil Milhas de Interlagos para comemorar os 450 anos da cidade.

Além de sempre ter sido considerado um evento tradicional, democrático e de já ter “revelado” talentos, essa corrida é a essência do “jeitinho brasileiro”. Não somente por atuais projetos nacionais e pelo primórdio da competição, onde as Carreteras eram fabricadas artesanalmente em oficinas improvisadas em verdadeiros fundo de quintais. Mas pela força para superar situações adversas, como o período em que Elói Gogliano e o “Barão”, Wilson Fittipaldi, trocaram o nome da prova para 1600 Quilômetros de Interlagos, por causa de divergências entre a CBA e o Automóvel Clube do Brasil.

Em 32 edições realizadas, as Mil Milhas sempre contou com grandes nomes das pistas. Chico Landi, Camilo Christópharo, Luiz Pereira Bueno, Bird Clemente, Zeca Giaffone, Chico Serra, Paulo Gomes, Rubens Barrichello, Nelson Piquet, Wilson e Christian Fittipaldi foram apenas alguns dos talentos que passaram pelo evento. Mas o que mais brilhou e até foi revelado nessa prova foi o bicampeão de Fórmula 1, Emerson Fittipaldi.

Fittipaldi revelado nas Mil Milhas? Como assim? Em 1967, Emmo construiu em parceria com o irmão Wilson um belo protótipo, o popular Fitti-Porsche. O carro era tão veloz que logo no primeiro teste, ambos bateram o recorde de Interlagos. Durante a corrida, fazia uma corrida excelente, porém teve de abandonar com problemas mecânicos.

Em sua biografia Uma vida em alta velocidade, Emerson garante que naquela corrida percebeu que havia chegado ao máximo em solo nacional e decidiu que partiria para a carreira internacional. Cá entre nós, foi felicíssimo nessa opção. Além de ter construído uma carreira brilhante, foi o desbravador, o “bandeirante”, que abriu portas para pilotos brasileiros na Fórmula 1 e, posteriormente, também nos Estados Unidos.

Democracia é outra característica fantástica nas Mil Milhas. A prova reúne carros tecnicamente bastantes diferentes. Quem já imaginou ver modelos nacionais, novos e antigos, dividirem a mesma pista com poderosos bólidos semelhantes aos utilizados no Campeonato Alemão de Turismo (DTM) e na tradicional 12 Horas de Daytona? Motor Chevrolet V-8 utilizado na Nascar e até protótipos com motor de motocicleta, de 1,3 litro? Essa certamente é uma política que adoraríamos ver em categorias como a Fórmula 1. Logicamente guardada devidas proporções, quesitos tecnológicos e tudo mais que não tornasse isso em algo utópico, loucura.

Política aberta que até se confunde com a própria história da cidade, que sempre recebeu diversas etnias de braços abertos. Povos que talvez não tenham encontrado o paraíso que procuravam, afinal, São Paulo possuí os mesmos problemas de diversas cidades do Brasil e do mundo, especialmente má distribuição de renda. Mas que através da união de esforços com os “paulistas da gema” ajudaram a construir uma potência econômica.

Parabéns, velha Sampa! Que venham muitos outros aniversários. Que o povo trabalhador continue fazendo de ti um poderio econômico. Que os talentos de vosso automobilismo continue representando o Brasil de maneira fantástica no exterior. E que venham muitas outras Mil Milhas para comemorar.

Pretendentes à japonesa: Ralf Schumacher não é o único piloto das atuais equipes grandes que vem mostrando interesse em uma possível transferência para a Toyota. Além do alemão da Williams-BMW, que vem rasgando elogios e garantindo que gostaria de pilotar pela equipe japonesa, outro postulante é David Coulthard. Segundo o jornal suíço Blick, o escocês já teria oferecido seu trabalho ao time através de seu manager, o ex-piloto Martin Brundle. Para um dos conselheiros do time e ex-chefe de equipe Ove Anderson, há um favorito. “Se Ralf ou David bater em minha porta, olho mais sério para Ralf”, garantiu.

Ajuda energizante: Na última coluna havia falado que as cores dos capacetes de Giancarlo Fisichella e Felipe Massa iriam nos confundir, por serem bastante semelhantes. Mas durante testes na última semana, o italiano utilizou o capacete branco, mesmo modelo que o acompanha desde a estréia na Fórmula 1, em 1996. Em outras palavras, aquele que apresentou durante a apresentação do Sauber C21– com o mesmo layout, porem com a predominância da cor do carro – era somente para publicidade. Menos mal.

Metendo a colher: E a seleção brasileira sub-23, hein? Que vexame no Torneio Pré-Olímpico, disputado no Chile. Apesar de reunir bons talentos individuais, Ricardo Gomes não conseguiu dar um padrão tático para o time durante os jogos da competição. O treinador também pecou na autoridade. Deixou alguns desses talentos, que deveriam agir como homens, brincarem como crianças. E brincaram. Brincaram até demais. Também faltaram jogadores que batessem no peito, chamando a responsabilidade para si.

Seriedade, humildade e esforço. Faltou o verdadeiro espírito olímpico para a equipe canarinho. E com isso, o sonho dourado foi adiado mais uma vez.

Justiça feita: A volta para a Williams é um prêmio justo para Antônio Pizzonia. Na equipe de Frank Williams, Pizzonia já fez bom trabalho como piloto de testes e tem seu talento reconhecido.

Mandando um alô: Nessa semana mando um alô para o leitor amigo Rogério Rodriguez, de São Paulo (SP).