Fugir do confronto com a Indy Racing League dentro dos Estados Unidos, através de uma tentativa de promover corridas em outros países, parece ser o melhor de tudo o que será adotado como estratégia pela nova Champ Car World Series, nome oficial da renovada Cart (no Brasil, Fórmula Mundial). Isso significa correr mais em circuitos mistos e ganhar status de verdadeiro automobilismo, em contraponto aos pouco esportivos ovais da IRL, que só em 2003 teve quinze acidentes graves (cinco deles, com brasileiros). Um levantamento feito pela mídia americana mostra que nas 87 corridas disputadas até hoje na categoria oficialmente conhecida como Indy, que conta com carros construídos especialmente para ovais, 76 pilotos foram parar no hospital com ferimentos graves. Um dado impressionante que beira a inaceitável média de um acidente grave por prova.
Na Champ Car, por enquanto, a única corrida em oval é a de Milwaukee, mantida na programação por ser uma prova noturna e de muita tradição. É a única etapa que resistiu a todas as três mudanças no comando da categoria desde que estreou no calendário, em 1933. Tendo quase todas as corridas em circuitos mistos, e saindo algumas vezes do território norte-americano, a Champ Car pode até vir a ser uma alternativa à Fórmula 1 para pilotos que não conseguirem acesso ao restrito mundo de apenas vinte vagas da principal categoria do automobilismo. Existem milhares de pilotos talentosos no mundo todo, que desistem no meio do caminho por falta de opções.
O imponderável das corridas em ovais, principalmente as mais velozes, chega ao absurdo de a IRL ter assumido o desafio de correr no Texas Motor Speedway, circuito recusado pelos pilotos da então rival Cart, que o consideraram muito perigoso, exatamente para poder tripudiar em cima disso, usando a frase “Os homens correm no Texas”. Como promoção até que valeu, mas como resultado desse mau entendimento do que é competição automobilística e do que é uma versão moderna dos duelos de gladiadores romanos, o que se viu foi um vôo do carro de Kenny Brack, depois de bater no de Tomas Scheckter a mais de 340 km/h, e o piloto, com múltiplas fraturas, correu risco de morte durante quase duas semanas na UTI. Até hoje não se sabe quando ele poderá voltar ou se, em conseqüência disso, a categoria ficará definitivamente sem um de seus “homens” mais talentosos. Portanto, se a Champ Car realmente caminhar em direção oposta à da IRL, o automobilismo sairá no lucro desta crise norte-americana.
Na Fórmula 1
Enquanto isso, na Fórmula 1, a pouco menos de um mês do início do Mundial, vive-se a expectativa dos últimos testes dos novos carros, e a grande pergunta que se faz é se o novo carro da McLaren é tudo aquilo que aparentou quando andou quebrando recordes de circuitos desde a sua primeira entrada na pista. Na seqüência, a Williams se tornou dona de outros recordes, a Ferrari acaba de ver Rubinho Barrichello detonar em dois segundos um recorde de Schumacher em Mugello, que já durava dois anos, a Renault mostra ter um carro muito rápido e até a BAR — não se sabe se com ou sem qualquer artimanha daquelas que os testes livres permitem porque não há fiscalização — tem conseguido ser consistentemente veloz e resistente em treinos de longa duração. Em contraste com a McLaren, que passou a andar lá atrás. É blefe agora? Ou era blefe na época dos recordes?
Rubinho é um que, pelo que viu em Valência e Barcelona, passou a duvidar da força da McLaren. E o mais estranho é que o próprio Kimi Raikkonen andou declarando ao jornal italiano “La Gazzetta dello Sport” — pertencente à Fiat e, conseqüentemente, ao grupo que comanda a Ferrari —, que a McLaren vem enfrentando problemas de acerto com o seu MP4-19 e que também o motor Mercedes-Benz não é muito potente. Tudo isso soa muito estranho, tanto quanto a equipe ter declarado que já estaria construindo um novo MP4-19B para o segundo semestre. Como me lembra o amigo leitor Sergio Magalhães, se isso tivesse partido de pilotos do tipo Villeneuve ou Irvine, o significado seria um. Mas partindo de Raikkonen, um sujeito calmo e frio como o gelo da sua Finlândia, dá pra imaginar que se trata de um blefe comandado por algum bom jogador de pôquer como Ron Dennis.
Contrariando tudo isso, mas também podendo perfeitamente fazer parte do jogo, aparece a figura de Bernie Ecclestone garantindo que se tivesse um único dólar para apostar em alguém nesta temporada, apostaria em Kimi Raikkonen. O que se pode concluir é que, nessa época de testes, vale tudo. Uns querem provar sua força para se impor diante dos rivais (dizem que Barrichello baixou em 2s239 o recorde de Mugello usando pouquíssima gasolina no tanque), outros porque precisam aparecer na mídia (pode ser o caso da BAR), e outros, que já conhecem o seu potencial, agora, procuram esconder o jogo. Seria este o caso da McLaren? A resposta, como sempre, só virá no primeiro dia de treinos (5 de março) do GP da Austrália. Aí não adianta mais blefe nem qualquer artimanha irregular. Quem tiver — e puder —, vai ter de mostrar sua força máxima.
Premiação justa
O teste na Fórmula 3 inglesa que a Vicar, promotora do campeonato sul-americano da categoria, garante ao campeão de 2004 está atraindo novos pilotos brasileiros, entre os quais um de 16 anos de idade (Carlos Iaconelli) e até um da Argentina (Pablo Perez), que não tem um representante participando regularmente do campeonato desde 2001. A premiação mais justa para um piloto é poder dar continuidade à carreira, e um teste na Inglaterra pode abrir as portas do automobilismo europeu. A prova de que este é o caminho ideal para se iniciar uma carreira internacional é que cinco brasileiros, que vieram do sul-americano, estão confirmados em três dos principais campeonatos internacionais em 2004. Danilo Dirani (campeão de 2003), Nelsinho Piquet (campeão de 2002) e Lucas di Grassi correm na F-3 inglesa; João Paulo de Oliveira (campeão da Light em 99), na F-3 japonesa; Rodrigo Ribeiro (campeão da Light em 2003) corre na F-3000 européia.
Reginaldo Leme
Comentarista das corridas que são transmitidas pela Rede Globo de Televisão.
Escreve colunas para o jornal “O Estado de São Paulo” há 10 anos, que são publicadas todas as sextas-feiras.
Leme é colunista da F1Mania.net desde o dia 08/08/2003.