Por Fábio Jacques
A temporada de 2011 marcou o fim da mais longa carreira da história da maior categoria do automobilismo mundial. Depois de dezenove (19) temporadas, Rubens Barrichello abandonou a (ou foi abandonado pela?) Fórmula 1.
Muitos disseram, dizem e dirão para sempre, que já foi tarde. Em parte, eu até concordo. Rubinho saiu dispensado pela Williams, na pior temporada da tradicional equipe inglesa em toda a sua história. Para um piloto que foi companheiro de Michael Schumacher em cinco de seus sete títulos mundiais, e de Jenson Button no ano da surpreendente Brawn, um final melancólico, sem dúvida. Afinal, de não ter tido carros competitivos, ele nunca poderá reclamar.
No Brasil, e não sei dizer se no resto do mundo também, ele tem fama de um piloto ruim. De fraco, lento, até mesmo burro. Entre os diversos motivos, bons e ruins, que fizeram o piloto brasileiro entrar para a história, está a única vez na Fórmula 1 em que alguém abandonou uma prova por pane seca… em uma época em que era possível fazer o reabastecimento.
Eu sempre me perguntei. Mas será que ele é ruim mesmo? Certamente ele não é um Ayrton Senna, um Alain Prost ou mesmo um Michael Schumacher. Mas… um piloto ruim?
Eu acredito que não. Em primeiro lugar, o normal não é ser um Senna. Aliás, para a maior parte do público da Fórmula 1 (torcida, equipes, pilotos, cartolas, mídia especializada, etc.), Senna só existiu um. Nem Rubinho nem ninguém pode ter a audácia de se comparar. Poderá surgir outro? Sim, mas aí, como o próprio Senna, “simplesmente” surgirá.
Em segundo lugar (e com o perdão da coincidência de termos), dois vice-campeonatos, se não soma um título, é mais do que 90% dos pilotos de todas as 62 temporadas da Fórmula 1 até 2011 conquistaram. Vale lembrar que são apenas 32 campeões e, portanto, Barrichello estaria talvez entre os 50 dos mais de 600 pilotos que já correram desde 1950.
Além disso, Rubens teve dois grandes “azares” na sua longa carreira na categoria. Primeiro, a responsabilidade de substituir Ayrton Senna. Até hoje, com Felipe Massa e Bruno Senna, o país todo espera ansiosamente por um novo herói. Rubinho, entretanto, teve o “azar” de ter sido contemporâneo do tricampeão, e viu a responsabilidade de substituí-lo cair em seu colo sem aviso.
Depois, o acidente que sofreu no mesmo final de semana em que Ayrton morreu. Olhando em retrospectiva, talvez ali tenha acabado a promissora carreira do então piloto da Jordan.
A época mais controversa da carreira de Barrichello foi, sem dúvida, os anos de Ferrari. Culminando no terrível e contestado GP da Áustria de 2002 onde ele claramente deixou Schumacher passar depois da última curva da última volta. É uma atitude condenável? É. É vergonhoso para um piloto profissional? É também. O piloto brasileiro não deveria ter se sujeitado a um papel desses? Bom… no circo da Fórmula 1, como em diversos outros locais, vale a frase: “na prática, a teoria é outra”.
Eu não me lembro quem me disse uma vez, mas eu concordo com a “teoria dos três segundos”. Segundo essa ideia, todo o piloto que sofre um acidente com risco de morte fica traumatizado, ainda que sem perceber. Como resultado, dali pra frente perde “3 segundos por volta” e nunca mais volta a ser o mesmo.
Foi assim com Nelson Piquet (Ímola, 1987), Gerhard Berger (Ímola, 1989), Rubens Barrichello (Ímola de novo, 1994) e, mais recentemente, Felipe Massa (Hungria, 2009, nos treinos, num acidente inadvertidamente causado por Barrichello). Piquet ainda seria campeão no final de 1987, mas os demais, que jamais foram campeões, eram pilotos que começavam a se destacar, mas nunca se confirmaram.
O mais claro exemplo desta “teoria” é Felipe Massa, campeão por segundos em 2008, que retornou às pistas em 2010, mas nunca mais foi o mesmo, atualmente estando até ameaçado de desemprego.
E tem mais uma coisa: piloto ruim? Não, nenhum piloto de Fórmula 1 é ruim. Nem Rubinho, nem Alguersuari, e nem Ukyo Katayama. Na pior das hipóteses eles são todos malucos. Retardados, loucos de atar em poste. Porque o que esses caras fazem, a 300, 350 quilômetros por hora, grudados no chão e vendo os pneus do carro logo à frente, eu não faço nem de bicicleta (e na respectiva velocidade, claro). Pra dirigir um Fórmula 1 não pode ser normal… simplesmente não pode.
Agora Rubinho foi para a Indy. Quando o anunciaram como companheiro de Tony Kanaan, diziam que ele teria chances de disputar o título pois, nesta categoria, todos os carros são iguais. A realidade mostrou que eles são iguais sim, mas uns mais iguais que os outros…
Acho que essa rixa da torcida e até da mídia com Barrichello tem a ver com algumas peripécias dele sim, como as já citadas da Áustria e do reabastecimento, mais a responsabilidade de ser um novo Senna. Adicionaria ainda o eterno otimismo vazio dele, que parecia fingir não ver quando as coisas não iam bem. Contudo, acho que tem um “Q” da velha síndrome de vira-lata do brasileiro, que adora apontar defeitos, mas quase não fala nas qualidades.
O melhor momento para Rubens Barrichello abandonar a Fórmula 1 com dignidade intacta talvez tenha sido a virada da temporada 2008 para 2009. Enquanto muitas incertezas pairavam, a Honda abandonava, mais uma vez, o circo, e o brasileiro rumava para o desemprego. Ali teria sido uma saída bastante honrosa. Ele não conquistaria o vice-campeonato daquela temporada, mas também não desceria a ladeira sem freio dali pra frente.
Não estou aqui dizendo que Rubinho Barrichello deveria ser um herói nacional. Não, estou dizendo exatamente que ele não precisa ser. Contudo, independente de ser brasileiro, herdeiro forçoso de Ayrton Senna ou ter sofrido ou não um acidente determinante para a sua carreira, o piloto brasileiro merece ser respeitado pela carreira que construiu, com seus erros e acertos.
Errados, talvez, estivéssemos todos nós, afinal, esperando e exigindo que Barrichello fosse alguém ou alguma coisa que ele simplesmente não é. Não há demérito nisso, mas o atual companheiro de Tony Kanaan na KV Racing nunca será mais, nem menos, do que Rubens Barrichello.