Caminhando para seu sétimo ano de existência, a Fórmula E cresceu de forma significativa nas últimas temporadas, o que fez com que a categoria de carros elétricos se tornasse “o futuro do esporte a motor” aos olhos de diversas montadoras.
O feito é impressionante para o status quo atual do automobilismo mundial: enquanto categorias como a F1 e WEC sofriam para manter as poucas fabricantes que tinham em seus grids, a Fórmula E teve em sua sexta temporada nada menos do que dez equipes fabricantes em um grid composto por doze times. Pela primeira vez, Audi, Porsche, Mercedes e BMW disputaram o mesmo campeonato de monopostos, o que foi tratado como uma importante vitória dentro deste cenário.
Após quatro temporadas, a Fórmula E lançou sua segunda geração de carros elétricos: o Gen2, e já começou a elaborar seus planos para a próxima geração, o Gen3. Tudo parecia próspero, e as discussões elevaram para um estágio no qual todos começaram a cogitar quando a F1 se renderia ao elétrico, sendo que uma parcela dos fãs até cogitavam uma fusão entre as duas categorias em um futuro próximo.
Mas, a pandemia de COVID-19 alterou todos os planos, principalmente da Fórmula E. Depois de diversos eprix cancelados e pouco mais de 150 dias de paralisação, a sexta temporada foi encerrada em agosto deste ano com seis provas em nove dias em Berlim, fechando o turbulento campeonato com reconhecido sucesso. Porém nos bastidores, mudanças começavam a acontecer…
![Os desafios da Fórmula E para seguir como a "categoria do futuro" Os desafios da Fórmula E para seguir como a "categoria do futuro"](https://www.f1mania.net/wp-content/uploads/2020/08/4-EPS611_153618_W6I3335-840x400.jpg)
Saídas e justificativas não tão convincentes
Antes da pandemia, era comum de tempos em tempos se ouvir histórias sobre novas montadoras interessadas em ingressar na Fórmula E, o que de fato era real no mundo “pré-covid”. Mas com a chegada da pandemia, as montadoras precisaram rever suas políticas e reduzir os custos. Foi por conta disso que a Jaguar cancelou o Jaguar I-Pace eTROPHY, sua competição de carros de produção totalmente elétricos que participou de alguns eprix nas duas últimas temporadas.
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A Fórmula E teve que rever as regras para as próximas temporadas e tomou algumas medidas, como o congelamento de atualização do Gen 2 atual, e uma prorrogação no projeto Gen2-EVO, que estava previsto para a próxima temporada e será utilizado apenas em 2021-22. Mas a grande preocupação está em torno de seu futuro, mais especificamente o Gen3.
O projeto é instigante, mas os valores para competir da Fórmula E aumentaram nos últimos anos (para algumas equipes, o custo atual de um time na categoria chega a ser cinco vezes mais do que na primeira temporada). E com certeza este valor aumentará com a chegada do Gen3, que promete um salto considerável em relação ao seu antecessor em todos os aspectos.
Em meio às incertezas apontadas acima, a categoria sofreu um novo baque no mês passado durante os testes de pré temporada em Valência com as saídas inesperadas (ou nem tanto assim) de duas fabricantes: Audi e BMW.
A saída da Audi não causa tanto espanto, pois desde a chegada da Porsche à Fórmula E começaram as especulações sobre essa possibilidade, já que ambas as marcas pertencem ao Grupo Volkswagen. A montadora alemã não deu exatamente uma justificativa, mas dias antes anunciou sua entrada no Mundial de Rally e seu retorno ao WEC (lembrando que o Mundial de Endurance terá um novo regulamento para seus protótipos, incluindo uma nova classe de híbridos junto com a IMSA).
MEDIAINFO: Audi to compete in Dakar Rally
>> https://t.co/w3ACyhW643#PerformanceIsAnAttitude pic.twitter.com/z4zpnn1uO8
— Audi Sport (@audisport) November 30, 2020
Porém, não dá para aceitar que a chegada da Porsche é uma justificativa válida para a saída da Audi, já que ambas dividiram o grid no WEC anos atrás (o que deve acontecer novamente em um futuro próximo no mesmo Mundial de Endurance). Pode até ser um dos motivos, mas com certeza não é o principal. A Audi sempre procurou novas tecnologias nas quais identificava o futuro do esporte a motor e também, o futuro automotivo. Talvez para a cúpula da marca alemã, esse futuro esteja em outro lugar.
Já a BMW deu uma justificativa “plausível”: acredita que já atingiu o limite de evolução em seus powertrains, e que não tem o que extrair da categoria para levar a seus carros de rua, por isso não tem a necessidade de manter o programa. Mas, não dá para levar ao pé da letra essa justificativa, pois a BMW se tornou parceira técnica da Andretti apenas na quarta temporada, então teve menos tempo para explorar a tecnologia do que a Audi ou a DS por exemplo, que estão no grid desde os primeiros anos.
#RacingBeyond @BMWi @FIAFormulaE pic.twitter.com/LzU8PZtNJs
— BMW Motorsport (@BMWMotorsport) December 2, 2020
Apesar de questionável, a justificativa da BMW amplia uma discussão que começa a ganhar corpo nos bastidores: é possível ampliar o controle das fabricantes em outras tecnologias dos monopostos elétricos além do powertrain? O quanto isso é interessante para as montadoras, quando o objetivo é levar a tecnologia da categoria para os carros de rua?
Permanências em meio às incertezas
De qualquer forma, dias após o anuncio da saída de Audi e BMW, algumas montadoras ratificaram seus compromissos com a Fórmula E, mas isso até o final da temporada 2021-22, como Jaguar, Nissan, Porsche e Mercedes. Nenhuma dessas quatro fabricantes se comprometeu oficialmente com o Gen3.
‘@Jaguar remain fully committed to our programme in @FIAFormulaE as an important part of our transition to electric mobility and Jaguar Land Rover’s Destination Zero vision.’ – James Barclay, Jaguar Racing Team Director. #DestinationZero #JaguarElectrifies #RaceToInnovate pic.twitter.com/iVzGpV2ue6
— Jaguar Racing (@JaguarRacing) December 4, 2020
Ao site britânico The Race, Ian James (chefe da equipe Mercedes Benz EQ) comentou que o futuro ainda é incerto, apesar de ter ratificado o compromisso da montadora alemã com a Fórmula E até o final da oitava temporada. A respeito do Gen3, deixou claro que as discussões estão acontecendo, e que algumas coisas ainda precisam “se encaixar”.
Por enquanto, apenas a Mahindra se comprometeu de fato com o Gen3, garantindo sua permanência na categoria até 2025. Mas, os dirigentes da Fórmula E estão confiantes que outras montadoras anunciem em breve suas permanências.
We are delighted to announce that today we’ve become the first Formula E team and manufacturer to commit to the Gen3 era of @FIAFormulaE commencing 2022 🙌 #Gen3 @FIA https://t.co/nKusrRFa2t pic.twitter.com/IM06KaGWVA
— Mahindra Racing (@MahindraRacing) November 30, 2020
James Barclay, chefe da Jaguar Racing, compartilha deste otimismo: “haverá outros que substituirão aqueles que estão deixando esta série de automobilismo, que ganha cada vez mais relevância. A Jaguar permanece totalmente comprometida com seu programa de Fórmula E.”
Enquanto o regulamento para o Gen3 está cada vez mais próximo da definição (o prazo é até o final de março de 2021), a discussão segue acalorada em como a Fórmula E pode garantir o retorno financeiro para as fabricantes que optarem por seguir na categoria.
Quanto ao grid, as saídas de Audi e BMW não devem causar impacto logo de cara, já que ambas seguirão dando suporte as suas equipes clientes até o final da oitava temporada (no caso, Virgin e Andretti, respectivamente). A única incógnita está em torno da vaga da equipe de fábrica da Audi.
Enquanto o futuro segue “nebuloso” por assim dizer, a Fórmula E terá que comprovar nos próximos meses aquilo que foi entoado nos últimos anos: que se trata da “categoria do futuro” e solucionar os problemas recentes, garantindo um futuro promissor ao Gen-3.
Vale lembrar que a categoria tem a seu favor os planos de diversos países a favor da mobilidade elétrica (principalmente na Europa e na China), e ao contrário da BMW, muitas montadoras ainda precisam investir nesta tecnologia se quiser ter mercado nesses locais daqui alguns anos. É claro que ainda existem países resistentes a e-mobilidade e que pesquisam outras formas de energia limpa, mas o fato é que neste momento a Fórmula E é o “laboratório” mais avançado neste sentido, levando em conta seu estágio atual e as leis que estão sendo aprovadas em mercados automotivos importantes.
Os próximos meses determinarão o quão promissor é o futuro para a Fórmula E. Os diálogos estão acontecendo e é provável que quem tinha que sair, já saiu. Para uma categoria que nasceu de uma ideia considerada absurda por muitos, não será nada diferente dos desafios que já foram superados em anos anteriores.