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25 de abril de 2020 21:13

Ricardo Divila se foi: perdemos um gigante

Pouco importa o nosso próprio tamanho quando um gigante se vai. Ricardo Divila era dessas pessoas cuja simples presença já tornava o ambiente mais forte e mais amplo, em diversos aspectos. Gentil, culto, inteligente, plural. Um ser humano construtivo pela própria natureza. Conversar com ele era mergulhar em um universo de possibilidades. Era dialogar com o infinito, na melhor concepção da palavra.

Foto: Rafael Catelan

Engenheiro de formação, projetista por opção, Divila passou a vida inteira ligado a projetos que envolviam quatro rodas. Diversos carros de Fórmula 1 – a começar por chassis concebidos, construídos e desenvolvidos totalmente no Brasil; os desafios das mais de 30 edições das 24 Horas de Le Mans; a paixão pelas fontes alternativas de energia; o aproveitamento social das tecnologias… Um olhar incansável sobre tudo o que punha as mãos. O que mais interessava era sempre o que ainda estava por vir.

Foto: Reprodução / Internet

Apaixonado por aviação, este paulistano filho de pai tcheco e mãe inglesa ditou caminhos para o esporte a motor, embora alguns não reconheçam suas pegadas. Foi um dos pioneiros no uso de túneis de vento para entender melhor o funcionamento da aerodinâmica nos carros de corrida – traço que se tornaria marcante na carreira de Adrian Newey, que foi seu estagiário antes de ganhar 20 campeonatos mundiais de Fórmula 1 por Williams, McLaren e Red Bull.

Não era incomum vê-lo criticando os regulamentos muito engessados. Por isso, inclusive, Divila deixou a Fórmula 1 e passou a atuar em outros tipos de competição, como as provas de endurance. Queria fazer a diferença, dar o pulo do gato, criar o que ninguém havia feito. Era movido por aquilo que manteria sempre este brilho em seu olhar. E assim foi, todos os dias, por mais de 50 anos atuando em competições automobilísticas.

Encontros e despedidas

Foto: Claudio Laranjeira

Como fã, aprendi a respeitar seu trabalho desde cedo. Como não vivi os tempos da aventura da Copersucar-Fittipaldi (“não éramos loucos, só éramos jovens”, definiu certa vez), só me lembro do que veio depois. De seu trabalho na equipe Ligier na F1 e, mais tarde, atuando competitivamente em Le Mans com o time da Pescarolo. Quase ganhou a prova mais famosa do mundo no geral. Nas classes, foram nada menos que oito conquistas. Um currículo mais que suficiente para ser reverenciado no âmbito esportivo.

Já jornalista, tive o prazer de entrevistá-lo na época do lançamento do Deltawing, em 2012. Um projeto ousado e extremamente inovador, que competiu de maneira experimental em provas de longa duração. Era encantador ouvir aquele veterano falando sobre a relação entre o peso do carro e o consumo de energia, empolgado feito um garoto que mostrava a bicicleta que ganhara de Natal. Estávamos de pé, na sala de imprensa do WEC em Interlagos, e mesmo assim as duas ou três perguntas que fiz ganharam respostas que passaram dos 40 minutos gravados no celular.

Foto: Divulgação / Nissan

Desde então, a admiração e o respeito por aquele senhor alto e de gestos contidos só cresceram. Era raro encontrá-lo, pois morava havia muitos anos em um sítio longínquo na França e raramente vinha ao Brasil. Em 2019, soube que ele estava em São Paulo para resolver umas papeladas familiares e fiz contato para que gravássemos uma entrevista em vídeo para o meu canal. Gentil como sempre, colocou uma manhã inteira à disposição e pediu que eu escolhesse o local. E, assim, nos encontramos na sede da Sid Special Paint, a alguns quarteirões de onde ele crescera.

Foto: Rafael Catelan

É difícil descrever a atmosfera daquele papo, mesmo tendo feito tantas e tantas entrevistas em minha carreira. Era como se luz, câmera e microfones não estivessem ali. O que era para ser uma gravação de meia hora virou uma conversa que passou das duas horas de duração. Com direito a um intervalo para um café na loja de conveniência no posto de gasolina do outro lado da rua. E, claro, com novas “aulas”, entre um gole e outro. Um intervalo providencial, propício para eu enxergar a cena em perspectiva e perceber o gigantismo sobre o qual me referi lá no primeiro parágrafo.

Em meio a tantas correrias nos trabalhos paralelos ao canal, não consegui levar o conteúdo ao ar a tempo de mostrar a ele. Algo que lamento, evidentemente. Ao mesmo tempo, sinto que seria muito pior se não tivesse conseguido registrar esse pequeno recorte de sua genialidade. A entrevista, inédita, já estava em edição vai ao ar em breve, em cinco partes. Uma oportunidade a mais para absorvermos os muitos ensinamentos por trás de suas palavras. E minha gratidão pela pessoa por trás do engenheiro será eterna. Obrigado, Ricardo Divila, por ter feito parte do mesmo planeta que nós.

 

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